13 abril 2012

Dance, Dance...

Danza Preparata

Por vezes a vida dá-nos o privilégio de assistir a um espectáculo que nos enche a alma.
Danza Preparata, uma homenagem a John Cage coreografada por Rui Horta, é uma experiência única.
Porque surpreende, convoca-nos e simultaneamente mantém-se a uma distância segura, pela sua severidade, quer cénica quer musical, pontuada com momentos memoráveis de descompressão, como a celebração singela do 100º aniversário de Cage ou a visita de um gato à cena nos braços da bailarina.
A estranheza inicial perante uma composição atonal e aparentemente improvisada (que um piano recheado de peças metálicas e outros objectos ajuda a intensificar) esfuma-se com o passar do tempo, muito por culpa da fabulosa Silvia Bertoncelli, integralmente de negro, num palco despido de fundo branco e de Rolf Hind, ao piano, sem pauta.
A comunhão silenciosa entre ambos é quase palpável. Como se estivessem num ensaio. Ou o Mundo se evaporasse por momentos e apenas eles e a música sobrassem.
A melodia surge como fio condutor à coreografia, condicionando-a na justa medida e garantindo um fundo coeso onde Silvia tem espaço para criar, numa interpretação quase surreal, plena de graça e de expressividade, em luta constante, entre a liberdade e a coarctação, entre o desânimo lúgubre e silencioso e a alegria exuberante, quase senil.
A coreografia é pulsante e hipnótica, reflectindo as notas de Cage e voando acima delas, como se a composição entrasse numa sala de espelhos e estivéssemos do outro lado do vidro.
A certa altura, assalta-nos uma sensação de quase voyeurismo, pela intimidade que se gera.
Sentimos o suor e respiração ofegante, entre jogos de luzes e sombras, som e silêncio tenso.
Perdemos-nos nas ínfimas matizes dos movimentos e dos sons que nos seduzem.
Percebemos finalmente a técnica como instrumento para algo maior, que vem de dentro e só alguns escolhidos conseguem transformar em Arte partilhada.
Liberdade.
Revolta.
Inconformismo.
Fosse esta coreografia mais do que metáfora para a vida e estaríamos salvos.

P.S. : O criador fala da sua criatura aqui. 

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