18 janeiro 2012

O meu projector - The Descendants

Nova rubrica cá do burgo, desta feita sobre cinema do bom, daquele sem tempo nem espaço.
Começamos pelo novo filme de Alexander Payne "The Descendants", com um texto que tive o enorme gosto de ver publicado no blog do programa Cinemax da Antena 1.



Em "The Descendants", Alexander Payne finalmente abandona a imagem nuclear que povoa a sua filmografia mais recente do homem solitário, de meia idade, em luta contra si mesmo e o mundo em geral (personificado por Jack Nicholson em “About Schmidt”, Thomas Jane em “Hung” ou Paul Giamati no brilhante “Sideways”) e centra-se na única hipótese de redenção que a vida poderá oferecer a um destes espécimes: a família.
O inteligente título remete-nos para o âmago de todo o argumento (brilhantemente adaptado do livro homónimo de Kaui Hart Hemmings): o legado deixado às gerações futuras e a importância que este assume tanto para os progenitores (a influência no futuro, as responsabilidades e as mudanças que cuidar de uma vida em formação acarreta) como para os "descendentes", sejam eles os filhos (para os quais o legado é espiritual, ético, sentimental) ou os herdeiros (quando após a morte, o legado é meramente material).
O legado é materializado por um terreno de valor elevado que há gerações pertence à familia de Matt King (Clooney), e que este se vê forçado a vender, momento que sempre evitou e modificaria radicalmente a sua vida e a de todos em torno de si.
Toda esta situação é a perfeita e irónica metáfora da sua vida familiar.
A história é-nos entregue "in media res" e o narrador omnipresente (o próprio Matt) encarrega-se de nos ir inteirando de que sucedeu anteriormente e de como a realidade em constante mutação influi no seu modo de vida.
Obssessivamente dedicado à sua profissão, Matt negligencia as filhas e afasta-se da esposa, até que o infortúnio atinge a família e o deixa a braços com a difícil tarefa de resgatar o tempo perdido e o seu papel de pai.
Confrontado com a tarefa hercúlea de ser referência e apoio para a família e simultaneamente encarar os seus próprios medos e frustrações, reconquistar o carinho e confiança das filhas torna-se a sua missão.
Payne transforma num clássico o que outras mãos mais incautas deformariam em mais um “filme-pipoca” de matiné dominical.
A realização, a montagem, a atenção ao detalhe sem que se perca o fluir das cenas e do argumento, conferem ao filme uma naturalidade e verosimilhança inigualáveis no cinema actual.
A excelente direcção de actores, combinada com a forma simples e objectiva com que temáticas transversais como o amor e a perda são abordadas, deixam todo o destaque ao texto e aos intérpretes, que naturalmente se superam e nos inspiram.
A empatia entre as personagens e o público torna-se inevitável, principalmente com George Clooney que, finalmente despido da sua imagem de galã conquistador, agarra o papel da sua vida, conferindo-lhe uma sinceridade e transparência desarmantes e até comoventes.
Num ano em que Hollywood claramente apostou na tecnologia e em sequelas mais do que forçadas em deterimento de uma boa história, um filme desta qualidade e simplicidade é uma lufada de ar de fresco que nos deixa uma ténue réstea de esperança no futuro.
Esperemos que a Academia honre o seu papel e premeie a audácia de Payne e Clooney.

3 comentários:

Mistral disse...

Deixa-me ver o filme primeiro e já posso ler este artigo até ao fim!
beijos e parabéns

m.

Me, Myself and I disse...

Podes ler à vontade que não tem spoilers :) tive esse cuidado.

Me, Myself and I disse...

o 1º comentário do blog :)
Finalmente :)