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Foto de Steve McCurry |
Há
uns tempos, entre amigos, perguntei num tom meio gozão o que leva
tanta gente à missa todos os domingos, como se explica esse tipo de
devoção.
A
resposta de alguém que me conhece bem não tardou : "e tu, o
que é que encontras na música e nos livros?"
Foi
uma pergunta que me deixou a pensar...
A
Música, assim como a religião lato sensu, é uma linguagem
universal. A sensibilidade e gosto pessoal, o meio de que se é
parte, faz com que cada um se aproxime mais do Som ou do Ser Superior
com que mais se identifica.
A
Religião consegue agregar em torno dos seus ideais personalidades aparentemente
inconciliáveis, criando um conjunto uno, e funciona como um encontro
de saberes, de valores éticos e morais cristalizados (e
infelizmente, demasiadas vezes, obsoletos...), normalmente associados
a uma figura ou várias que se destacam pelos seus feitos improváveis
e dão um aspecto um pouco mais humanizado, antropomórfico, a algo
aparentemente impossível de alcançar (Cristo, Buda, Maomé...): a
Perfeição.
Na
Música, assim como na literatura, há uma partilha única de
existências que de outro modo dificilmente se aproximariam e, sem se
dar por isso, melodias e ficções criadas por alguém que nunca
conhecemos, com a sua mundividência, a sua personalidade, o seu quotidiano, tornam-se parte de nós. Surgem inevitavelmente associadas a um
momento, a uma pessoa que nos tocou, a um dia mau e sempre que a
ouvimos ou relemos, revivemos o que éramos e sentimos
quando aquela música soou ou aquele livro nos chegou às mãos. E
são tantos os momentos, tantas as músicas, tantas as citações...
Perfeitos ou não, são nossos. Assim como a nossa Fé (ou a ausência dela).
O
prazer da novidade é outro ponto em comum. A Fé reforça-se quando
é possível adaptá-la à nossa existência e constantemente
redescobrir como pode ser capaz de nos fazer procurar a superação.
Com a Música, assim como com a literatura, a descoberta de um novo
som ou de um novo livro, abre novas portas à percepção, alarga o
sentido do que somos e do que podemos ser, do que toleramos,
ajuda-nos a perserverar na busca constante do que poderá ser um
melhor futuro para nós e para o que nos rodeia. "Se ele é
capaz porque é que eu não posso ser?" É um
cliché mas é verdade. A Inspiração pode ser um veículo poderoso para abrirmos
a nossa mente a tudo o
que
nos rodeia ou para nos fecharmos ainda mais na "pequena ilha"
que cuidadosamente vamos construindo como protecção do Acaso. Como
qualquer religião que se preze. Que o digam israelitas e
palestinianos...
Maiores
ou menores, ricos e pobres, o acesso à música e à leitura é
democrático (hoje mais do que nunca, felizmente...) assim como a possibilidade de professar uma religião ou adoptar uma Fé. Facilmente seria possível
fazer, em dimensões variadas, uma "bíblia musical"
daqueles sons que nos reconfortam a alma e nos levam a visitar sítios
mais recônditos da nossa memória, pondo as coisas em perspectiva. Ou
uma colectânea daquelas citações capazes de nos deixar com um
arrepio pela sua genialidade.
O
início de uma Fé mais humanista...Não faltariam fiéis nessa
eucaristia.
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