23 novembro 2012

Novas religiões

Foto de Steve McCurry
Há uns tempos, entre amigos, perguntei num tom meio gozão o que leva tanta gente à missa todos os domingos, como se explica esse tipo de devoção.
A resposta de alguém que me conhece bem não tardou : "e tu, o que é que encontras na música e nos livros?"
Foi uma pergunta que me deixou a pensar...
A Música, assim como a religião lato sensu, é uma linguagem universal. A sensibilidade e gosto pessoal, o meio de que se é parte, faz com que cada um se aproxime mais do Som ou do Ser Superior com que mais se identifica.
A Religião consegue agregar em torno dos seus ideais personalidades aparentemente inconciliáveis, criando um conjunto uno, e funciona como um encontro de saberes, de valores éticos e morais cristalizados (e infelizmente, demasiadas vezes, obsoletos...), normalmente associados a uma figura ou várias que se destacam pelos seus feitos improváveis e dão um aspecto um pouco mais humanizado, antropomórfico, a algo aparentemente impossível de alcançar (Cristo, Buda, Maomé...): a Perfeição.
Na Música, assim como na literatura, há uma partilha única de existências que de outro modo dificilmente se aproximariam e, sem se dar por isso, melodias e ficções criadas por alguém que nunca conhecemos, com a sua mundividência, a sua personalidade, o seu quotidiano, tornam-se parte de nós. Surgem inevitavelmente associadas a um momento, a uma pessoa que nos tocou, a um dia mau e sempre que a ouvimos ou relemos, revivemos o que éramos e sentimos quando aquela música soou ou aquele livro nos chegou às mãos. E são tantos os momentos, tantas as músicas, tantas as citações... Perfeitos ou não, são nossos. Assim como a nossa Fé (ou a ausência dela).
O prazer da novidade é outro ponto em comum. A Fé reforça-se quando é possível adaptá-la à nossa existência e constantemente redescobrir como pode ser capaz de nos fazer procurar a superação. Com a Música, assim como com a literatura, a descoberta de um novo som ou de um novo livro, abre novas portas à percepção, alarga o sentido do que somos e do que podemos ser, do que toleramos, ajuda-nos a perserverar na busca constante do que poderá ser um melhor futuro para nós e para o que nos rodeia. "Se ele é capaz porque é que eu não posso ser?" É um cliché mas é verdade. A Inspiração pode ser um veículo poderoso para abrirmos a nossa mente a tudo o que nos rodeia ou para nos fecharmos ainda mais na "pequena ilha" que cuidadosamente vamos construindo como protecção do Acaso. Como qualquer religião que se preze. Que o digam israelitas e palestinianos...
Maiores ou menores, ricos e pobres, o acesso à música e à leitura é democrático (hoje mais do que nunca, felizmente...) assim como a possibilidade de professar uma religião ou adoptar uma Fé. Facilmente seria possível fazer, em dimensões variadas, uma "bíblia musical" daqueles sons que nos reconfortam a alma e nos levam a visitar sítios mais recônditos da nossa memória, pondo as coisas em perspectiva. Ou uma colectânea daquelas citações capazes de nos deixar com um arrepio pela sua genialidade.
O início de uma Fé mais humanista...Não faltariam fiéis nessa eucaristia.

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