Foto de Ana Alves Guedes |
Falar de David Fonseca,
pelo menos para este humilde melómano que vos escreve, é recuar
mais de uma década aos tempos em que uma banda ainda desconhecida de
Leiria lançou, em 1998, uma cover dos Erasure no éter, ganhando
pouco depois o Termómetro Unplugged (quando vencê-lo era realmente
relevante e era sinónimo de lançar uma carreira) e pôs o panorama
musical português a salivar por mais.
Os tempos eram outros,
definitivamente. A internet (ainda) não era raínha e senhora da
distribuição da música que se ia fazendo aquém e além-mar e a 1ª
arte chegava à maioria dos ouvintes pelos meios mais tradicionais: o
belo do empréstimo do amigo ou conhecido com gostos similares, o
single que passava na rádio ou o álbum, como um todo conexo que
vendia os milhares realmente correspondentes aos metais preciosos
que, uns meses após o seu lançamento, recompensavam a criatividade
dos seus mentores.
Neste panorama, hoje em
dia quase risível de tão obsoleto (apesar de ainda tantos na
indústria musical se recusarem a admiti-lo), os Silence 4 triunfaram
com as suas canções simples, quase ingénuas, num inglês que soava
a melodia do flautista da Hamelin para toda uma geração que ansiava
por ouvir as suas angústias, amores e desamores cantados por uma
música portuguesa que cada vez mais os esquecia.
Entre os quatro
leirienses, desde cedo se destacou o seu carismático líder David
Fonseca. Autor de quase todas as letras e algumas das músicas mais
sonantes do álbum de estreia "Silence Becomes It" de 1998
(sim, já passaram mesmo 15 anos...), com o seu ar cândido e
melancólico, foi durante os 5 curtos anos de duração do projecto
Silence 4 o amor platónico de muitas adolescentes imberbes (e de
outras já com idade para terem juízo) e o ídolo inconfessavel de
muitos potenciais homens de barba rija. Recordes de vendas
pulverizados, 6 platinas atingidas, um quarto de milhão de discos
vendidos e digressões triunfais que percorreram todo o país,
consagraram a banda e o futuro parecia promissor.
Mas como quase tudo o que
é bom, depois de mais um álbum de estúdio e de um EP, em 2001
fez-se silêncio entre os 4 leirienses. No entanto, David Fonseca
tinha ainda muito mais para dizer e fez da sua carreira a solo o
caminho para dar largas à sua prolífica criatividade.
Com um percurso cuidado e
inteligente, desde o início manteve-se fiel apenas a si mesmo, com
uma linguagem pop dotada de muito mais de universal do que
propriamente português. Talvez seja este o segredo para, cinco
álbuns e dez anos de carreira depois, ter sido capaz de permanecer
consistentemente no topo, quer em vendas, quer em popularidade.
A geração que o ouvia
no início, acompanhou a sua evolução como músico e performer e
o David cultivou sempre essa relação de proximidade e simpatia com
os fãs, quer pela música que foi criando (num crescente de
complexidade e criatividade, conseguindo dessa forma adaptar-se às
mudanças nas preferências do seu público que ia evoluindo e às
tendências da pop), quer pela utilização frequente das redes
sociais, como forma de obter reacções em tempo real da multidão de
anónimos que o segue e de partilhar conteúdos exclusivos e
personalizados.
A
noite de 9 de Março no Coliseu do Porto foi de celebração dos 10
anos da sua carreira a solo, por onde passaram quase todos os êxitos
essenciais, acompanhados de alguns mimos e surpresas para uma plateia
que quase esgotou a mítica sala portuense.
Dez
anos antes, à meia noite de 10 de Março de 2003, era lançado em
150 rádios simultanemente o primeiro single do seu primeiro álbum a
solo "Someone that cannot love".
O seu
álbum duplo "Seasons: Rising Falling" (2012) (cuja ideia
inicial era ser quádruplo, um álbum para cada estação do ano), é
um díptico que procura retratar a vida durante um ano, com todas as
suas cambiantes de clima, disposições e ambiências, servindo de
ponto de partida e centro nevrálgico de todo o espectáculo.
Durante
mais de 2 horas, assistimos à reprodução dessa panóplia de
emoções através do jogo de luzes, com uma paleta de cores
correspondendo ao que ia sendo tocado, associada a um alinhamento
inteligente e cuidado, capaz de manter o ritmo e expectativa até ao
final e superando as expectativas dos fãs mais acérrimos e fiéis.
A
meio do espectáculo, David senta-se ao piano e improvisa com o
público uma música a que chama de "Coliseu", o mesmo que,
mais uma vez, consegue que o acompanhe em uníssono.
Um
pouco mais tarde, a banda abandona os instrumentos eléctricos e
senta-se em circulo, simulando um ensaio. Daí a nada, entoava-se o
hino do Verão passado "We are young" dos Fun, como mera
introdução para uma versão completamente "despida" de
"What life is for", o single de apresentação do álbum
mais recente de David Fonseca, que foi lançado através de uma
campanha publicitária de uma operadora de televisão.
Enquanto
canta "Stop for a minute", David não resiste a conviver
mais de perto com o público e desce à plateia com a sua guitarra,
para depois subir à tribuna e surpreender novamente com a sua
espontaneidade.
Terminado
este período de maior intensidade, cai a cortina negra e David surge
em palco vestido de Mr. Scrooge antes de se deitar. Sentado ao piano,
a pretexto de uma história que envolve uns telefonemas misteriosos,
canta para um auscultador telefónico alterado para microfone uma
versão de "I just called to say i love you", para em
seguida arrancar com uma excelente revisão do clássico dos Nine
Inch Nails "Hurt", que termina já acompanhado por toda a
sua banda.
Algumas
músicas depois, a vontade dos seus fãs expressa via-Facebook é
cumprida e David Fonseca presenteia uma plateia já rendida com uma
versão mais pop do hino dos Nirvana "Lithium", devidamente
vestido com a sua velha camisa de flanela.
Seguiu-se
a grande "80´s", que transforma o Coliseu numa discoteca
gigante e o regresso para o encore com "U Know who i am" e
o final apoteótico, repleto de papéis prateados e balões, com uma
"What life is for" em toda a sua pujança pop.
Terminada
a celebração, torna-se fácil perceber como David Fonseca se tornou
um artista consensual, com tudo o que de melhor essa palavra pode
acarretar. A sua estética vincada, apesar de personalizada, tem,
desde o início da sua carreira, uma qualidade superior e um alcance
que vai dos 8 aos 80 anos. A multidão que o recebeu de braços
abertos e vozes afinadas na Invicta foi o retrato perfeito dessa
diversidade geracional mas simultaneamente da comunhão em torno de
uma música que se sabe manter sempre viva e relevante, o que, em
plena era de massificação de tendências e proliferação de
imitações de mau gosto, é um achado inestimável. E é nosso.
Venham
mais dez, David.
Alinhamento
1 –
Under the Willow
2 –
Armageddon
3 –
Our Hearts will beat as one II
4 –
A cry 4 love
5 –
Where are u?
6 –
Someone that cannot love
7 –
It means i love you
8 –
Silent Void
9 –
"Coliseu" (improviso com o público ao piano) / The beating
of the drums
10 –
Kiss me
11 –
All that i wanted
12 –
It will pass
13 –
Intro c/ We are young (cover dos Fun) / What life is for (ambas em
versão acústica)
14 –
Superstars II
15 –
Stop 4 a minute
16 –
I just called to say i love you / Hurt
17 –
At your door
18 –
It feels like something
19 -
Lithium
20 -
80´s
Encore
21 –
U know who i am
22 –
What life is for
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