19 março 2013

David Fonseca - 10 anos depois

Foto de Ana Alves Guedes

Falar de David Fonseca, pelo menos para este humilde melómano que vos escreve, é recuar mais de uma década aos tempos em que uma banda ainda desconhecida de Leiria lançou, em 1998, uma cover dos Erasure no éter, ganhando pouco depois o Termómetro Unplugged (quando vencê-lo era realmente relevante e era sinónimo de lançar uma carreira) e pôs o panorama musical português a salivar por mais.
Os tempos eram outros, definitivamente. A internet (ainda) não era raínha e senhora da distribuição da música que se ia fazendo aquém e além-mar e a 1ª arte chegava à maioria dos ouvintes pelos meios mais tradicionais: o belo do empréstimo do amigo ou conhecido com gostos similares, o single que passava na rádio ou o álbum, como um todo conexo que vendia os milhares realmente correspondentes aos metais preciosos que, uns meses após o seu lançamento, recompensavam a criatividade dos seus mentores.
Neste panorama, hoje em dia quase risível de tão obsoleto (apesar de ainda tantos na indústria musical se recusarem a admiti-lo), os Silence 4 triunfaram com as suas canções simples, quase ingénuas, num inglês que soava a melodia do flautista da Hamelin para toda uma geração que ansiava por ouvir as suas angústias, amores e desamores cantados por uma música portuguesa que cada vez mais os esquecia.
Entre os quatro leirienses, desde cedo se destacou o seu carismático líder David Fonseca. Autor de quase todas as letras e algumas das músicas mais sonantes do álbum de estreia "Silence Becomes It" de 1998 (sim, já passaram mesmo 15 anos...), com o seu ar cândido e melancólico, foi durante os 5 curtos anos de duração do projecto Silence 4 o amor platónico de muitas adolescentes imberbes (e de outras já com idade para terem juízo) e o ídolo inconfessavel de muitos potenciais homens de barba rija. Recordes de vendas pulverizados, 6 platinas atingidas, um quarto de milhão de discos vendidos e digressões triunfais que percorreram todo o país, consagraram a banda e o futuro parecia promissor.
Mas como quase tudo o que é bom, depois de mais um álbum de estúdio e de um EP, em 2001 fez-se silêncio entre os 4 leirienses. No entanto, David Fonseca tinha ainda muito mais para dizer e fez da sua carreira a solo o caminho para dar largas à sua prolífica criatividade.
Com um percurso cuidado e inteligente, desde o início manteve-se fiel apenas a si mesmo, com uma linguagem pop dotada de muito mais de universal do que propriamente português. Talvez seja este o segredo para, cinco álbuns e dez anos de carreira depois, ter sido capaz de permanecer consistentemente no topo, quer em vendas, quer em popularidade.
A geração que o ouvia no início, acompanhou a sua evolução como músico e performer e o David cultivou sempre essa relação de proximidade e simpatia com os fãs, quer pela música que foi criando (num crescente de complexidade e criatividade, conseguindo dessa forma adaptar-se às mudanças nas preferências do seu público que ia evoluindo e às tendências da pop), quer pela utilização frequente das redes sociais, como forma de obter reacções em tempo real da multidão de anónimos que o segue e de partilhar conteúdos exclusivos e personalizados.

A noite de 9 de Março no Coliseu do Porto foi de celebração dos 10 anos da sua carreira a solo, por onde passaram quase todos os êxitos essenciais, acompanhados de alguns mimos e surpresas para uma plateia que quase esgotou a mítica sala portuense.
Dez anos antes, à meia noite de 10 de Março de 2003, era lançado em 150 rádios simultanemente o primeiro single do seu primeiro álbum a solo "Someone that cannot love".
O seu álbum duplo "Seasons: Rising Falling" (2012) (cuja ideia inicial era ser quádruplo, um álbum para cada estação do ano), é um díptico que procura retratar a vida durante um ano, com todas as suas cambiantes de clima, disposições e ambiências, servindo de ponto de partida e centro nevrálgico de todo o espectáculo.
Durante mais de 2 horas, assistimos à reprodução dessa panóplia de emoções através do jogo de luzes, com uma paleta de cores correspondendo ao que ia sendo tocado, associada a um alinhamento inteligente e cuidado, capaz de manter o ritmo e expectativa até ao final e superando as expectativas dos fãs mais acérrimos e fiéis.
A meio do espectáculo, David senta-se ao piano e improvisa com o público uma música a que chama de "Coliseu", o mesmo que, mais uma vez, consegue que o acompanhe em uníssono.
Um pouco mais tarde, a banda abandona os instrumentos eléctricos e senta-se em circulo, simulando um ensaio. Daí a nada, entoava-se o hino do Verão passado "We are young" dos Fun, como mera introdução para uma versão completamente "despida" de "What life is for", o single de apresentação do álbum mais recente de David Fonseca, que foi lançado através de uma campanha publicitária de uma operadora de televisão.
Enquanto canta "Stop for a minute", David não resiste a conviver mais de perto com o público e desce à plateia com a sua guitarra, para depois subir à tribuna e surpreender novamente com a sua espontaneidade.
Terminado este período de maior intensidade, cai a cortina negra e David surge em palco vestido de Mr. Scrooge antes de se deitar. Sentado ao piano, a pretexto de uma história que envolve uns telefonemas misteriosos, canta para um auscultador telefónico alterado para microfone uma versão de "I just called to say i love you", para em seguida arrancar com uma excelente revisão do clássico dos Nine Inch Nails "Hurt", que termina já acompanhado por toda a sua banda.
Algumas músicas depois, a vontade dos seus fãs expressa via-Facebook é cumprida e David Fonseca presenteia uma plateia já rendida com uma versão mais pop do hino dos Nirvana "Lithium", devidamente vestido com a sua velha camisa de flanela.
Seguiu-se a grande "80´s", que transforma o Coliseu numa discoteca gigante e o regresso para o encore com "U Know who i am" e o final apoteótico, repleto de papéis prateados e balões, com uma "What life is for" em toda a sua pujança pop.

Terminada a celebração, torna-se fácil perceber como David Fonseca se tornou um artista consensual, com tudo o que de melhor essa palavra pode acarretar. A sua estética vincada, apesar de personalizada, tem, desde o início da sua carreira, uma qualidade superior e um alcance que vai dos 8 aos 80 anos. A multidão que o recebeu de braços abertos e vozes afinadas na Invicta foi o retrato perfeito dessa diversidade geracional mas simultaneamente da comunhão em torno de uma música que se sabe manter sempre viva e relevante, o que, em plena era de massificação de tendências e proliferação de imitações de mau gosto, é um achado inestimável. E é nosso.
Venham mais dez, David.

Alinhamento

1 – Under the Willow 
2 – Armageddon
3 – Our Hearts will beat as one II
4 – A cry 4 love
5 – Where are u?
6 – Someone that cannot love
7 – It means i love you
8 – Silent Void
9 – "Coliseu" (improviso com o público ao piano) / The beating of the drums
10 – Kiss me
11 – All that i wanted
12 – It will pass 
13 – Intro c/ We are young (cover dos Fun) / What life is for (ambas em versão acústica)
14 – Superstars II
15 – Stop 4 a minute 
16 – I just called to say i love you / Hurt
17 – At your door
18 – It feels like something
19 - Lithium
20 - 80´s
Encore
21 – U know who i am
22 – What life is for  

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