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Norberto Lobo-Mel Azul (Mbari-2012) |
Norberto regressou finalmente.
Um porto de abrigo para estes dias frios e sombrios. E infelizmente não falo apenas do inclemente e surpreendente clima invernal.
Privilégio é poder, no intervalo de horas e na melhor companhia, ouvi-lo ao vivo e comparar a experiência com o registo da sua obra em cd, esse formato cada vez mais obsoleto mas ainda tão prático e precioso, principalmente quando se trata de uma cópia personalizada pelo próprio artista.
A actuação ao vivo foi surpreendente embora sem ser uma surpresa.
Passo a explicar.
O artista cresce perante os nossos olhos e os nossos ouvidos.
As colaborações dos últimos tempos têm enriquecido de forma notável o seu som e este concerto reflecte essa mesma evolução.
As frequentes e emocionantes improvisações para-melodia por onde nos conduziu numa setlist onde predominou a ambiência um pouco mais livre e libertadora de "Mel Azul", baralhou as nossas expectativas de um virtuosismo mais estático que a sua música anterior parece sugerir e deparámos-nos com um Norberto mais senhor do seu som e da sua aura quase mística, xamânica, sempre tímido nos agradecimentos e nas respostas às invectivas de um público rendido e expectante, em contraste com a sua exuberância musical e melódica, como se a melhor forma de o conhecer fosse através da guitarra que empunha e não de viva voz.
Com ele, a voz, a expressividade, o sentido de humor e a persona luminosa ficam entaladas entre as madeiras da guitarra, até que generosamente as liberta, com uma entrega que rasga um inevitável sorriso de felicidade contemplativa de momentos dificilmente repetidos.
Os nomes com que baptiza cada melodia são meros detalhes (a que, não despiciendamente, opta por conferir uma saudável e cómica ironia, numa espécie de "who cares" gritado bem alto), já que, de cada vez que ataca as cordas, ouvimos fado, blues, folk, música indiana, música clássica e sons profundos e inqualificáveis, enquadrados apenas pelo coração, porque a razão inevitavelmente fica arredada desta eucaristia.
As composições foram mero pretexto para um recital de liberdade criativa, onde os hegemónicos mantras sonoros em crescendo e diminuendo, regados com silêncios tensos e libertações catárticas de melodia, garantem inadevertidos arrepios na pele e colocam-nos perante uma experiência única, reavivando memórias de dias melhores em que foram a perfeita banda sonora.
Norberto Lobo, naquela noite fria de 6ª feira, sentiu-se em casa no ambiente intimista do Passos Manuel e esse à-vontade reflectiu-se na sua actuação. Cada vez mais improvisa, entrega-se ao sentimento que cada acorde lhe traz e exprime-o cada vez melhor, transmitindo-o com genuinidade, recusando as facilidades da adequação ou de limites formais e melódicos. A música é o momento em que a toca e é isso que o torna tão único e maravilhoso.
Depois vinham as melodias, em torrente, aos pares e aos trios, sem paragens nem concessões. E nós fomos na viagem. E não queríamos que terminasse.
Obrigado a regressar por 2 vezes, fê-lo renitente e, já cansado, fugiu tranquilo com a sua tambura entoando o "Requiem para as abelhas".
Mas o concerto foi muito mais do que mero "Mel Azul". Já não lhe basta a ele nem a nós.
Vejam com os vossos próprios ouvidos. A agenda dos concertos encontra-se facilmente.
(A pedido da Mbari, retirei o video do concerto no Passos Manuel).
O cd novo "Mel Azul" é uma lufada de ar fresco na curta discografia de Norberto Lobo.
Mantendo aquele registo já familiar a quem o segue desde "Mudar de Bina", ensaia novos caminhos menos convencionais a um guitarrista já de si tão particular.
Os acordes são mais abertos, luminosos e as duas composições do seu irmão, Manuel Lobo, são um feliz acrescento à sua sonoridade, conferindo-lhe uma nova densidade e objectividade quase cinemáticas.
Terminados os quase 30 minutos de "Mel Azul", o reflexo quase imediato é repetir a audição.
Porque a viagem é demasiado curta e passa tão rápido pelos nossos ouvidos que receamos ter escapado algum detalhe precioso. E cada nova audição é uma redescoberta do quanto se esconde nas músicas ínfimas em tamanho mas desmesuradamente superiores ao tempo e espaço que ocupam. E não se separam mais de nós. Trauteamos e assobiamos inadvertidamente "Lúcia Lima", "Rua da Palma Blues" ou "Enzo Fought Back" como se fossem nossas desde sempre. Porque passam a sê-lo a partir daquele momento mágico em que as ouvimos pela primeira vez e nos deixamos deslumbrar pela familiaridade com que nos tocam e se acomodam dentro de nós, como toda a boa música o faz.
Norberto Lobo já faz parte daquela galeria de essenciais de qualquer português que ame a música e o quanto de português encontramos nela, contaminada com o que de melhor esse mundo cada vez mais uno e disperso tem para nos mostrar. Norberto traz tudo isso e tanto mais de si a cada novo disco, o que o torna um acontecimento.
Ele anda por esse país triste e abandonado. Ouçam as histórias que tem para contar. São luminosas e repletas de esperança, daquelas que todo o típico português saudosista e deprimido precisa para tornar os dias mais toleráveis.
Privilégio é poder, no intervalo de horas e na melhor companhia, ouvi-lo ao vivo e comparar a experiência com o registo da sua obra em cd, esse formato cada vez mais obsoleto mas ainda tão prático e precioso, principalmente quando se trata de uma cópia personalizada pelo próprio artista.
A actuação ao vivo foi surpreendente embora sem ser uma surpresa.
Passo a explicar.
O artista cresce perante os nossos olhos e os nossos ouvidos.
As colaborações dos últimos tempos têm enriquecido de forma notável o seu som e este concerto reflecte essa mesma evolução.
As frequentes e emocionantes improvisações para-melodia por onde nos conduziu numa setlist onde predominou a ambiência um pouco mais livre e libertadora de "Mel Azul", baralhou as nossas expectativas de um virtuosismo mais estático que a sua música anterior parece sugerir e deparámos-nos com um Norberto mais senhor do seu som e da sua aura quase mística, xamânica, sempre tímido nos agradecimentos e nas respostas às invectivas de um público rendido e expectante, em contraste com a sua exuberância musical e melódica, como se a melhor forma de o conhecer fosse através da guitarra que empunha e não de viva voz.
Com ele, a voz, a expressividade, o sentido de humor e a persona luminosa ficam entaladas entre as madeiras da guitarra, até que generosamente as liberta, com uma entrega que rasga um inevitável sorriso de felicidade contemplativa de momentos dificilmente repetidos.
Os nomes com que baptiza cada melodia são meros detalhes (a que, não despiciendamente, opta por conferir uma saudável e cómica ironia, numa espécie de "who cares" gritado bem alto), já que, de cada vez que ataca as cordas, ouvimos fado, blues, folk, música indiana, música clássica e sons profundos e inqualificáveis, enquadrados apenas pelo coração, porque a razão inevitavelmente fica arredada desta eucaristia.
As composições foram mero pretexto para um recital de liberdade criativa, onde os hegemónicos mantras sonoros em crescendo e diminuendo, regados com silêncios tensos e libertações catárticas de melodia, garantem inadevertidos arrepios na pele e colocam-nos perante uma experiência única, reavivando memórias de dias melhores em que foram a perfeita banda sonora.
Norberto Lobo, naquela noite fria de 6ª feira, sentiu-se em casa no ambiente intimista do Passos Manuel e esse à-vontade reflectiu-se na sua actuação. Cada vez mais improvisa, entrega-se ao sentimento que cada acorde lhe traz e exprime-o cada vez melhor, transmitindo-o com genuinidade, recusando as facilidades da adequação ou de limites formais e melódicos. A música é o momento em que a toca e é isso que o torna tão único e maravilhoso.
Depois vinham as melodias, em torrente, aos pares e aos trios, sem paragens nem concessões. E nós fomos na viagem. E não queríamos que terminasse.
Obrigado a regressar por 2 vezes, fê-lo renitente e, já cansado, fugiu tranquilo com a sua tambura entoando o "Requiem para as abelhas".
Mas o concerto foi muito mais do que mero "Mel Azul". Já não lhe basta a ele nem a nós.
Vejam com os vossos próprios ouvidos. A agenda dos concertos encontra-se facilmente.
(A pedido da Mbari, retirei o video do concerto no Passos Manuel).
O cd novo "Mel Azul" é uma lufada de ar fresco na curta discografia de Norberto Lobo.
Mantendo aquele registo já familiar a quem o segue desde "Mudar de Bina", ensaia novos caminhos menos convencionais a um guitarrista já de si tão particular.
Os acordes são mais abertos, luminosos e as duas composições do seu irmão, Manuel Lobo, são um feliz acrescento à sua sonoridade, conferindo-lhe uma nova densidade e objectividade quase cinemáticas.
Terminados os quase 30 minutos de "Mel Azul", o reflexo quase imediato é repetir a audição.
Porque a viagem é demasiado curta e passa tão rápido pelos nossos ouvidos que receamos ter escapado algum detalhe precioso. E cada nova audição é uma redescoberta do quanto se esconde nas músicas ínfimas em tamanho mas desmesuradamente superiores ao tempo e espaço que ocupam. E não se separam mais de nós. Trauteamos e assobiamos inadvertidamente "Lúcia Lima", "Rua da Palma Blues" ou "Enzo Fought Back" como se fossem nossas desde sempre. Porque passam a sê-lo a partir daquele momento mágico em que as ouvimos pela primeira vez e nos deixamos deslumbrar pela familiaridade com que nos tocam e se acomodam dentro de nós, como toda a boa música o faz.
Norberto Lobo já faz parte daquela galeria de essenciais de qualquer português que ame a música e o quanto de português encontramos nela, contaminada com o que de melhor esse mundo cada vez mais uno e disperso tem para nos mostrar. Norberto traz tudo isso e tanto mais de si a cada novo disco, o que o torna um acontecimento.
Ele anda por esse país triste e abandonado. Ouçam as histórias que tem para contar. São luminosas e repletas de esperança, daquelas que todo o típico português saudosista e deprimido precisa para tornar os dias mais toleráveis.
Aqui fica o álbum na íntegra.
Partilhem, divulguem, CELEBREM.
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