No meu primeiro concerto do ano, experimentei assistir in loco
à nova viagem sónica do prodígio Norberto Lobo.
Apesar de alguma turbulência, cheguei a bom porto, na companhia de
aproximadamente uma centena de pessoas que lotaram a pequena sala
portuense.
Sem surpresas, encontrei um guitarrista mais liberto do jugo e do
jogo de ritmos e dinâmicas melódicas que vem sendo a sua imagem de
marca, que tanto evocam o saudoso Jack Rose como o mítico John
Fahey, a música tradicional portuguesa ou o folk, quando ainda
fresco e relevante.
O New York Times e outras publicações inevitavelmente rendem-se às suas qualidades
instrumentais e criativas, mas o seu caminho prossegue parelelamente
a este crescendo de visibilidade, com viagens, residências
artísticas e parcerias que vêm tornando a sua música muito mais do
que puro virtuosismo.
Norberto, no novo Fornalha (three:four
records, 2014) que apresentou quase na íntegra (e
podem escutar AQUI),
abandona a sua (e a nossa) zona de conforto e atira-se com unhas e
dentes às maravilhas da electricidade e da improvisação.
Fornalha (2013, three:four records) |
O resultado foi um concerto em que
nem tudo correu às mil maravilhas, com alguns "pregos" à
mistura e feedbacks involuntários,
que intensificaram ainda mais o seu exercício de liberdade, como uma
longa inspiração para oxigenar os nossos cérebros.
Em todos os seus concertos, o guitarrista tem por hábito ter a
melodia em forma de canção como mero ponto de referência, a que
regressa a espaços para nos manter a seu lado no percurso que vai
explorando ao longo de cada trecho, que frequentemente aglutina em
espaços de longos minutos sem paragens .
Neste caso, o formato canção cedeu
lugar à diatribe improvisatória, que ocupa a esmagora maioria do
espaço já exíguo (aproximadamente 32 minutos) de Fornalha.
Propositadamente, Norberto deixa-nos sós, larga-nos a mão e voa
quando a agitação é maior, deixando-nos a braços com a tarefa de
reencontrarmos o caminho de regresso a casa. Chegados ao destino,
reencontramo-lo, sempre pacato e imperturbável por fora, mas
dominado por um turbilhão de emoções que só a sua música revela
a quem a quiser escutar com ouvidos "de ver".
Os efeitos da sua nova pedaleira são
outros e usados com mestria trazem novas dimensões às composições,
soando como se a sua guitarra se multiplicasse e transmutasse em
melotron, ou
violoncelo ou violino. A alma, essa é a mesma que atravessa toda a
sua obra.
A identidade mantém-se intacta mas a guitarra transfigura-se, talvez
mais próxima do que procura para si: uma câmara de eco de emoções,
plástica e fléxivel como plasticina.
A técnica do ritmo e do dedilhado assoma por vezes, intacta e
impressionante, mas outra(s) voz(es) possuem o seu instrumento,
etéreas mas presas ao âmago do que significa suplantar guitarra e
presença: música pura, sem filtros, ditâmes ou pré-concepções.
Norberto é cada vez mais ele mesmo, espontâneo e descomprometido.
Embarca sem medo em variações infinitas sobre as mesmas notas,
desmonta-as e reconstrói-as em minutos com mestria, como se quisesse
mostrar-nos que já descobriu do que são feitas e presentear-nos
partilhando essa revelação: uma nova linguagem.
Não conheço um músico que deixe tanto no palco e traga o mundo na
guitarra como Norberto. Paredes só em disco, infelizmente.
Ontem fui (novamente) feliz por estar perante perante tanto talento e
generosidade.
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