Ferdydurke - Witold Gombrowicz
A edição portuguesa da 7 nós é de uma beleza e cuidado que nos dão ganas de devorar o livro assim que o agarramos. É por edições destas que me é tão difícil perceber o fascínio dos ebooks.
Publicado em 1937 e censurado durante décadas na Polónia, de onde era natural Gombrowicz, parecia condenado ao esquecimento, como tantos outros só recentemente descobertos (como o sublime Sandor Marai), mas traduções sucessivas fizeram com que em 2011 chegasse finalmente até nós.
Categorizá-lo é impossivel.
Por aqui misturam-se as referências auto-biográficas com o ensaio, a filosofia, a crítica de costumes, o humor ou a ironia, mas a unir este todo aparentemente caótico está uma escrita intencionalmente desconcertante e iconoclasta.
Aliás, a iconoclastia é provavelmente o traço dominante da persona literária de Witold Gombrowicz, que em Ferdydurke ostensiva e delirantemente se dedica a desmontar os cânones literários e culturais e o modo como, desde cedo, nos são impostos sem que nos demos conta.
Tudo começa quando um recém-trintão, sem grande estabilidade na vida, é "convencido" a "reeducar-se" numa escola secundária e quando dá por si, retornou à adolescência sem bilhete de regresso à idade adulta.
Gombrowicz é bastante explícito acerca das suas intenções ao longo da obra.
A premissa é simples: esqueçam tudo o que vos foi dito e apresentado como verdadeiro e maduro. Abracem a vossa essência e deixem fluir, porque a Verdade não é um ditado mas uma narrativa que cabe a cada um escrever pelo seu punho, custe o que custar.
A viagem é assombrosa e habilmente somos conduzidos de braço dado com o que temos de pior: a ausência de consciência da nossa verdadeira condição.
Não se explanam ideais nem teorias por via de personagens ao serviço de uma qualquer mensagem filosófica ou política.
Gombrowicz limita-se a contrariar expectativas e a jogar com o insólito, demonstrando a cada passagem que a Forma é insignificante e ridícula perante a grandeza de tudo o que, na nossa pequenez, necessariamente escapa à nossa percepção, mero reflexo do que somos e do que esperam de nós.
Terminámos o livro com a sensação de não saber muito bem o que acabou de nos acontecer, mas com a certeza de que são livros destes que nos fazem querer continuar por muito tempo com o nariz enterrado entre páginas.

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