04 maio 2016

Jack DeJohnette - Casa da Música, 3 Maio 2016


Não é frequente ter diante de mim uma lenda, que me formou como ouvinte e musicófilo e que, com a sua criatividade e técnica, contribuíu de forma indelével para o progresso da Música.
Privilégio maior é assistir ao seu envelhecimento saudável e digno, editando constantemente novos trabalhos discográficos e desafiando as suas próprias capacidades, com a insatisfação própria dos génios humildes.
Jack DeJohnnette consta desse panteão por mérito próprio. Partilhou (e partilha) palcos com quase todos os grandes do jazz, como Miles Davis, Keith Jarrett, Dave Holland, Chick Corea ou Herbie Hancock, criando repertório inevitável para qualquer músico ou fã do Jazz.
Na noite em que a Casa da Música se encheu para o receber, trazia como programa a apresentação do seu novo álbum de piano-solo (Return, a editar em Abril pela francesa New Velle Records, exclusivamente em vinil), estendendo o seu requinte nas baquetas às 88 teclas do piano de cauda.



A solidão do piano revelou-se inspiradora para o americano, que deixou para segundo plano o novo álbum, do qual tocou apenas três músicas (“Ode to Satie”, “Silver Hollow” e “Ponta de Areia”), optando, para deleite do público, por um alinhamento recheado de clássicos, que incluíu John Coltrane, Miles Davis e Oliver Nelson.
O toada que imprimiu ao piano balançou entre a clássica melancolia lenta e repleta de silêncios e a redescoberta entusiástica do instrumento que, por influência parental, desde a primeira infância fez seu.
Embora a espaços tenha faltado alguma chama interpretativa em composições que, originalmente, a têm de sobra, como a fabulosa “Stolen Moments” desse álbum obrigatório de Oliver Nelson chamado The Blues And The Abstract Truth, o balanço foi extremamente positivo.
A imediatamente reconhecível “I Love You Porgy”, no arranjo que DeJohnette fez questão de creditar a Bill Evans, foi um dos momentos mais belos da noite, com a melodia respeitada e a improvisação simples e certeira do americano.
Os “trunfos” ficaram guardados para o final do concerto e o encore. Desafiando o público a reconhecer a música que tocava, ofereceu à Casa o clássico da MPB “Ponta de Areia”, com que termina o seu novo álbum, da autoria de Milton do Nascimento e eternizada pela voz de Elis Regina (ouçam a versão no concerto de Montreux).



Depois dos aplausos, pediu “one more” com um sorriso traquina, como se da sua estreia em palco se tratasse e faltasse mostrar um truque novo. Às teclas trouxe “Now´s The Time”, música de Charlie Parker, em que um Miles Davis de muito tenra idade começava a impôr o seu sopro como voz incontornável. 
Faltava ainda a despedida.
Depois de novo pedido do músico, surgiu “Nayma” em todo o seu esplendor, antecedida de uma introdução bem abstracta e aventurosa, para depois desembocar, tranquila, no mar que são as notas urdidas pelo guru Coltrane.
A nova encarnação do DeJohnette foi uma revelação. Pela serenidade e curiosidade com que aborda o piano, pela generosidade no alinhamento e na comunicação com o público, foram 90 minutos para recordar. Return é um disco a não perder.

Alinhamento
Ode to Satie (DeJohnette)
Stolen Moments (Oliver Nelson)
Will O' The Wisp (Manuel de Falla, arr. Gil Evans & Miles Davis)
Silver Hollow (DeJohnette)
I Love You Porgy (Gerswin)  
Central Park West (John Coltrane)
Flamenco Sketches (Miles Davis)
Ponta de Areia (Milton do Nascimento)
Encore
Now´s The Time (Charlie Parker)
Nayma (John Coltrane)

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